Enquanto o mundo discute medidas para frear o avanço das mudanças climáticas sem colocar a titulação dos territórios quilombolas no centro do debate, a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), por meio da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp), firmaram um termo de cooperação para elaborar 17 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) e 17 relatórios fundiários e de geoprocessamento. A iniciativa será financiada com recursos do Projeto Aquilombar, enquanto a Fadesp ficará responsável pela execução técnica dos estudos, razão pela qual o acordo foi formalizado. O objetivo é destravar processos de titulação no âmbito federal, conduzidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que não titula territórios quilombolas no Pará há sete anos e contabiliza apenas 13 títulos emitidos no estado. Em municípios como Salvaterra, que possui 19 territórios e nenhum titulado, alguns processos chegam a 22 anos de espera, deixando mais de 7 mil quilombolas vulneráveis a conflitos e violações, especialmente com o avanço da monocultura do arroz na região. O RTID reúne estudos antropológicos, fundiários e cartográficos que comprovam e delimitam o território quilombola.
Os projetos Aquilombar e Titular I e II, que atuam para enfrentar a lentidão nos processos de reconhecimento e regularização fundiária, já protocolaram 26 georreferenciamentos no Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e no Incra SR-01 Belém, por meio de recursos captados junto à filantropia. O trabalho viabilizou, inclusive, a titulação de 12 territórios quilombolas pelo Iterpa no último dia 17 de novembro. Segundo a Malungu, cerca de 100 processos seguem em análise nas superintendências do Incra em Belém e Santarém. Os últimos territórios titulados pelo órgão no estado foram Peruanas e São Judas Tadeu, em 2018. Para o coordenador administrativo da Malungu, Mauro Santos, parcerias institucionais são decisivas para destravar a política de titulação no Pará.
“Essas parcerias representam um marco histórico para os territórios quilombolas. O trabalho da Malungu tem sido muito sério e respeitado, e precisamos dar continuidade para garantir o que é direito nosso e dever do Estado”, afirmou. Ele lembrou ainda o caso do território Umarizal, cujo processo permaneceu 26 anos em tramitação no Iterpa e que foi titulada no último dia 17 graças a atuação do Movimento quilombola.
A complexidade dos processos administrativos é um dos principais entraves. Levantamento realizado pela Malungu por meio do projeto Aquilombar identificou 153 etapas até a conclusão de um processo de regularização no Incra. Para Graça Costa, do Comitê Gestor do Fundo Dema, isso aumenta a vulnerabilidade das comunidades e reforça a urgência da titulação.Segundo ela, a parceria “não se estanca agora; é um processo em andamento para que se alcancem, de fato, os direitos territoriais quilombolas”.
Graça destacou ainda que o protocolo assinado “é muito mais que um documento técnico ou acadêmico”. Ele manifesta um processo de luta e resistência da Malungu pela titulação dos territórios e pela construção coletiva dessas parcerias”.
O professor da UFPA e coordenador da execução da cooperação, Flávio Barros destacou o papel da universidade na produção de conhecimento e na formação de jovens quilombolas, que receberão bolsas para atuar em campo ao longo da execução do acordo.
“Esse acordo de cooperação vai gerar um impacto que ficará registrado na história da nossa universidade, da Malungu e da Fase. É nosso papel, como pesquisadores e cidadãos comprometidos com a Amazônia. E dizer ao Incra que, mesmo alegando falta de recursos, nós vamos entregar essas peças e, lá na frente, colher os frutos desse processo”, afirmou.
Assinaram o termo: o diretor da Fadesp, professor Roberto Ferraz; o oficial de projetos da Tênure Facility, Aurélio Viana; o coordenador administrativo da Malungu, Mauro dos Santos; a coordenadora executiva da Malungu, Érica Monteiro; e a presidente do Comitê Gestor do Fundo Quilombola Mizizi Dudu, Valéria Carneiro.
Os trabalhos terão duração mínima de dois anos. Os laudos serão elaborados por equipes multidisciplinares, envolvendo antropólogos e lideranças quilombolas, garantindo que os processos reflitam a realidade territorial e sociocultural de cada comunidade.