Realizada pela primeira vez na Amazônia, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) está acontecendo em Belém – PA e tem sido chamada por muitos de “a COP do Financiamento”. Os debates na Conferência giram em torno da criação de novos fundos internacionais para adaptar os países do Sul Global às mudanças climáticas, possibilitando a transição energética para fontes renováveis e a reconstrução desses países em casos de grandes catástrofes ambientais. Porém, os recursos continuam concentrados em governos e grandes empresas, sem chegar nos territórios.
“Juntos, podemos fazer da COP 30 o momento em que viramos o jogo, quando colocamos em prática nossas conquistas políticas e nosso conhecimento coletivo sobre o clima para mudar o curso da próxima década” afirmou André Corrêa do Lago, Presidente da Conferência, em carta divulgada em março deste ano.
Mas, para as comunidades quilombolas, o debate sobre o clima vai muito além de promessas: trata-se de justiça, reparação e direito ao território. Esses recursos só fazem sentido quando chegam nas comunidades, fortalecendo quem há séculos protege a floresta e seus modos de vida. No entanto, o acesso direto de povos e comunidades tradicionais aos recursos climáticos ainda é mínimo. De acordo com dados divulgados pelo Observatório do Clima, menos de 1% do financiamento climático internacional destinado ao Brasil entre 2015 e 2023 foi aplicado diretamente em projetos geridos por povos e comunidades tradicionais.
Na Cúpula dos Povos, espaço de resistência e construção popular que acontece durante a realização da COP 30, quilombolas, povos indígenas, comunidades tradicionais de diversas regiões do país se reúnem para reafirmar que não há justiça climática sem justiça racial e territorial. O encontro tem sido um momento de troca de experiências, denúncias e proposições, mostrando que as soluções para o clima já existem e são fruto dos saberes ancestrais e das práticas de quem cuida da floresta todos os dias. É desse chão, e não das grandes corporações, que vêm as respostas mais concretas para enfrentar a crise climática.
“Falar de COP do financiamento para nós é meio contraditório, nós sabemos que os quilombolas, os povos indígenas e comunidades tradicionais são os que mais protegem as florestas, os rios, os mananciais. Então que financiamento é esse? Que não chega nessa base, que não chega nesses povos, que não chega nas pessoas que realmente tem estratégias e soluções que estão nos nossos territórios” afirmou Hilário Moraes, coordenador de articulação da Malungu.
Enfrentar a crise climática é fortalecer o que já existe nos territórios: modos de vida sustentáveis, economias comunitárias, saberes ancestrais e formas próprias de organização e cuidado com a natureza. O roçado coletivo, a produção de alimentos sem veneno, o reflorestamento e a proteção dos rios. É dessa relação equilibrada com a terra e com a floresta que nascem as soluções reais para o clima, que precisam ser reconhecidas e apoiadas pelos mecanismos de financiamento, e não substituídas por modelos impostos de fora.
Hoje, no estado do Pará a malungu desenvolveu um instrumento de fortalecimento das comunidades, o fundo quilombola Mizizi Dudu, a partir da compreensão de que existe uma demanda específica e importante da população que precisa ser fortalecida com iniciativas que promovam equidade social por meio de recursos para fortalecer as bases.
“É importante andarmos juntos e não separados. Somos plenamente capazes de gerir fundos diretos para os nossos territórios, considerando nossa pauta central, que é a luta pela titulação plena dos quilombos. Só assim podemos garantir o bem viver e o acesso às políticas públicas direcionadas às nossas comunidades”, disse Valéria Carneiro, presidenta do Fundo quilombola Mizizi Dudu.
Inicialmente intitulado Fundo Dema de Apoio às Comunidades Quilombolas do Pará, o Fundo Mizizi Dudu surgiu em 2008 e atualmente está em processo de autonomização. Até então, permanece incubado no Fundo Dema, que garantiu as condições necessárias para sua gestão. Por meio do Mizizi Dudu, dois grandes projetos estão em execução. O Aquilombar I, realizado em parceria com a Aliança pelo Clima e Uso da Terra (Climate and Land Use Alliance CLUA), é voltado para a garantia de direitos socioterritoriais quilombolas no Pará tanto em terras estaduais quanto federais e para o fortalecimento do processo de autonomização do Fundo. Já o Aquilombar II, desenvolvido em parceria com a Tenure Facility, tem possibilitado o financiamento de estudos e outras ações essenciais ao reconhecimento e à titulação dos territórios quilombolas, no âmbito do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), em nível estadual, e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em nível federal.
Para a Malungu, o legado da COP 30 só será verdadeiro se o mundo entender que o futuro da Amazônia está nas mãos de quem vive nela. Assegurar o acesso direto aos recursos, participação efetiva nas decisões e reconhecimento dos direitos territoriais dos povos quilombolas é fundamental, ou seja, titulação, autonomia, proteção contra o racismo ambiental e valorização dos conhecimentos tradicionais. Garantir o direito ao território é garantir também o cuidado com a floresta, com a água e com o clima. É esse reconhecimento que pode transformar o financiamento climático em uma grande ferramenta de enfrentamento à crise climática, e não apenas uma promessa.